chances: eu pedi amor

De: Natália Nodari Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. “Eu pedi amor”, disse. - Isso é amor.  - Mas não vai me fazer m...


De: Natália Nodari

Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. “Eu pedi amor”, disse.
- Isso é amor. 
- Mas não vai me fazer mal? 
- Talvez.

Olhei e novo e percebi uma larvinha de mosca saindo da cobertura.
- Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também.
- Não sei. – A larvinha agora afundava cada vez mais no bolo. 
- Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe.

Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para a casa. Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível. Me contentei em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.
Vomitei.
Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho nem de escovar os cabelos. Não queria olhar o céu e nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as pálpebras muito menos as janelas da casa.
Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e ao mesmo tempo aliviada. Pela manhã, as maquiagens do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem penduradas. A maçaneta da porta pedia para ser girada e eu obedeci.
A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava vitrines.
À noite, resolvi encarar o bolo de novo.
Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando de lado nem dava para ver a parte feia. Segui comento o bolo, segui com o estômago revirado e mais importante: segui com vontade de entrar no ônibus e pagar minhas contas.
Até que o bolo acabou.

Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou estava coberto de moscas.
- Está fedendo demais. – comentei. 
- É o que eu tenho.

Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tampei o nariz aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem a garganta contraiu: já estavam habituados.
Quando o amor acabou, ele me entregou um prato fundo.
- Mas isso é vômito! 
- Eu chamo de amor.

Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes de ir trabalhar, e, para a minha surpresa, eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra 
colherada à noite, pra garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.

No dia seguinte tive um pouco de febre, mas segui dando umas colheradas.
Dois dias depois, a cabeça doeu.

A febre voltou.
A garganta inchou.

Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e esperei a morte bater. Quando ouvi o som da campainha, suspirei aliviada.
Mas não era ela.
Não era alguém que eu conhecesse. Tinha cabelos encaracolados e trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa, tinha cheiro de primavera.

- Isso não é amor. - Eu disse.
- É amor, sim. - Parecia surpreso. 
- Não, não é. - Eu ri.

Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse mudar de ideia, levou a torta de creme embora.
Talvez eu deva aprender a cozinhar sozinha.

Stefany Rodrigues: eu digo - É muito triste ler algo assim. Acho que foi um dos textos mais reflexivos que li hoje, uma crônica um tanto nojenta, mas se for pra comparar com esse falso amor, vira uma combinação perfeita. 
Muitas vezes, estamos tão acostumados com aquele "amor fingido", mas que no fundo não é amor, e sim, só um sentimento de merda que vai nos desgastando e nem percebemos. O pior é que nem precisamos estar com 'este' alguém, simplesmente sentir já é o suficiente para nos ferrar completamente. Mas em algum momento, pode surgir alguém que nos apoie, ajude e que pode nos colocar para cima e nos mostrar o real significado do verdadeiro amor, do sentido de amar. 
Nós somos tão estúpidos em alimentar um sentimento falso e vazio, portanto tão fortes em suportá-los. O problema é que na maioria das vezes, acabamos não dando a chance de aproveitar e conhecer essa nova oportunidade, por medo de ser o mesmo que antes, e talvez, ainda continuemos sobrevivendo de bolo mofado ou vomito. 
Por isso, deem a chance de conhecer pessoas e deixe esse bolo mofado para o lixo, você é uma pessoa que merece uma torta de creme, não desperdice esta chance, garota! Peça o amor, mas o amor limpo e com cheiro de primavera!

I am yours now * xx

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